sexta-feira, 12 de junho de 2009

Leitura: continuo caminhando...



Cleuzeni Santiago da Silva

“A leitura de mundo precede a leitura da palavra.”
(Paulo Freire)

Assim como Paulo Freire e tantos outros e outras, fiz desde minha infância muita leitura de mundo. Dentre elas quero destacar algumas que ocorreram em espaços/momentos de lazer na confecção de bonecas e outros brinquedos conjuntamente com minha mãe e nas brincadeiras com minhas irmãs, nas quais já assumíamos papéis (sociais), criávamos histórias e as vivíamos ou vivíamos construindo-as. Tive uma infância verdadeiramente de criança. Quero destacar também os momentos noturnos, em que antes de dormirmos nossos pais contavam-nos histórias diversas (para nós, na época, encantadoras, que prendiam totalmente nossa atenção e, ainda hoje, das que me recordo – integral ou parcialmente – ou que posso lê-las em livros mantenho, pela maioria, profunda admiração, encantamento). Histórias essas que, até então, não sabia ou não imaginava que existissem ou poderiam existir em livros, achava que era tudo fruto da imaginação de meus pais (e algumas talvez fossem mesmo e outras que não fruto da imaginação, mas da memória memorável de meus pais). Minha entrada na escola não significou a mudança dessa compreensão, pois os textos escritos que nas cartilhas não se pareciam em nada com aqueles narrados pelos meus pais, posto que não diziam muita coisa, não contavam histórias, não traziam ensinamentos, não provocavam a imaginação, não faziam sonhar, não despertavam em mim muita atenção, tanto que, das três irmãs mais velhas fui, fui considerada a mais “rebelde”: conversava nas aulas; de em quando, me recusava a realizar determinadas tarefas e “enfrentava” os(as) professores(as) – quantos castigos me renderam!.
Mas meu primeiro contato com o alfabeto (as letras) e alguns textos escritos não se deu na escola, ocorreu em casa, pois nossa mãe foi quem nos iniciou na alfabetização – quando fomos para a escola, eu e minhas duas irmãs mais velhas, já decodificávamos pequenos textos –, e no espaço religioso.
Na escola, no segmento 1ª a 4ª série, inicialmente, lia textos das cartilhas para estudar uma determinada letra do alfabeto, sua família silábica e “montar”, escrever algumas palavras (Vejam que atraso para quem já tinha chegado à escola “lendo” pequenos textos!). Depois, lia para decorar um texto todo, porque a professora “tomava a lição” e ai de quem não a realizasse com êxito. Lia também para realizar atividades “mecânicas” de “interpretação” de textos. Atividades que não iam além do que estava escrito e explícito no texto. Desta fase escolar, tenho lembranças de algumas professoras: Regina, por sua meiguice e dedicação; Divina (irmã de Regina), por seu vigor e também rigor meio louco; Druzila Lima (professora da 4ª série), por sua sabedoria e compromisso e também pelas tardes em que nos “tomava” a tabuada (colocava-nos em fila na frete do quadro negro e perguntava a respeito da tabuada, quem respondesse primeiro ganhava o direito de dar “bolo” – bater com a palmatória na mão dos outros).
Conclui a 4ª série em 1987 e fiquei sem frequentar escola até 1994, porque morava na Zona Rural e lá não tinha escolas que ofertassem estudos além dessa série. Neste ano de 1994, minha irmã Suêila Santiago, que já era casada e professora primária, teve a oportunidade de cursar o Projeto Gavião I, ofertado pela Secretaria de Educação do nosso município, São Geraldo do Araguaia-PA, que objetivava à formação, 5ª a 8ª séries, dos professores da rede municipal de ensino, especialmente, os do meio rural. Como eu já vinha “travando uma briga” com meu pai, José Santiago, para que ele permitisse que nós saíssemos do local onde morávamos para estudar, aproveitei a ocasião, pois julguei-a propícia, visto que faria companhia à minha irmã, na cidade, e incrementei a “briga”, os argumentos e consegui convencer meu pai a me deixar ir. Gostaria de ressaltar que meu pai não permitia nossa saída de casa para estudar não era por se “ruim”, por má vontade, mas sim pelas nossas condições financeiras e outras questões resultado de sua educação, cultura, que não detalharei neste momento.
Neste curso, Gavião I, a prática de leitura também se dava em função das atividades que se tinha que realizar. A prática de produção textual não havia. As aulas em geral se restringiam à transmissão de conteúdos. A disciplina Língua Portuguesa era centrada essencialmente no ensino de conteúdos “gramatiqueiros”, sem nenhuma contextualização, discussão, análise ou crítica sobre os mesmos.
O primeiro livro literário que li foi “O guarani”, de José de Alencar, no período em que cursava o Projeto Gavião I, mas não foi exigência do curso. Minha irmã mais velha, Idelma Santiago, que me enviou, neste tempo ela já morava fora de casa. Gostei muito da experiência: da história dos índios, do romance entre Ceci e Peri, da versão indígena para o dilúvio, segundo o romance de Alencar. O segundo livro literário, também enviado a mim por esta irmã, que deveria ler foi “Os sertões”, de Euclides da Cunha, mas não consegui lê-lo. Tentei por várias vezes, mas não conseguia compreender a linguagem utilizada – não tinha nem dicionário – e, então, desisti. Para mim foi um pouco frustrante, tanto que até hoje não tive coragem de retomar a leitura do mesmo.
Voltando a relatar sobre os estudos escolares, conclui o Projeto Gavião I em 1995 e em 1996 fui morar com minha irmã Idelma em Redenção-PA, onde cursei o 2º Grau – Magistério. Neste curso, pude ampliar um pouco mais meu domínio da leitura, uma vez que encontrei professores que realizavam um trabalho com leituras, debates e análises, embora um tanto superficiais, pois não se estudava de fato o texto, visando compreender além de seu conteúdo sua organização, sua estrutura, as condições de sua produção e recepção. Produção escrita quase não havia ou se restringia a atividades pouco planejadas e pouco significativas, como por exemplo, pesquisas sobre determinados assuntos/conteúdos e produção de trabalhos escritos para serem apresentados e/ou entregues aos(às) professores(as). Deste período, tenho boas recordações e tragam um carinho especial pelos(as) professores(as): Aparecida, Amélia e Cláudio Marques.
Neste período, convivendo com minha irmã Idelma, tive a oportunidade de ler outros livros, em sua maioria literários. Alguns que ainda me recordo: “Iracema” e “Senhora”, de José de Alencar; “A prisioneira da serra”, “Noites brancas”, cujos autores(as) não me recordo o nome; dentre outros. O que mais me chamava atenção nestes livros era as histórias ali contidas, em especial os romances vividos pelos personagens.
Conclui o ensino médio em 1998, ano em que me inscrevi no vestibular da Universidade Federal do Pará (UFPA) no curso de Letras. Ao inscrever-me imaginava que, provavelmente, seria só uma experiência, pois tinha certa consciência de minhas limitações: pouca leitura e quase nenhuma prática de produção textual. Mas fui bastante incentivada por Idelma, que já cursava História na referida universidade, e estudei bastante o conteúdo programático do vestibular, juntamente com duas amigas, assim, consegui passar no vestibular e ingressei na UFPA em março de 1999.
No ensino superior, tive a felicidade de, logo no primeiro semestre do curso, encontrar a professora Nilza Brito, que trabalhou conosco a disciplina Português Instrumental. Ela me ajudou, não só no sentido de que seu trabalho me aprender muito sobre leitura e escrita, mas também porque me fez tomar consciência de minhas limitações, principalmente com relação à produção de textos. Tenho profunda admiração por ela, por seu trabalho. A tenho como “minha” melhor professora, melhor exemplo de educadora, por sua competência, seu comprometimento com o que faz.
Lembro-me de tantos momentos de debates, discussões, construção de conhecimentos, socialização de conhecimentos já sistematizados, que se deram neste espaço acadêmico. Na universidade, pude conhecer e dialogar com muitos(as) autores(as) por intermédio de seus estudos, suas idéias, suas produções (Paulo Freire, F. Saussure, Massaud Moisés, Magda Soares, M. Bakthin, D. Maingueneau, Luiz Vaz de Camões, Almeida Garret, José Saramago, Fernando Pessoa, João W. Geraldi, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Castro Alves, Patativa do Assaré, João Cabral de Melo Neto, Ingedore Koch, dentre tantos outros(as)) e avancei significativamente nesta caminhada como aprendiz da leitura e da escrita, da literatura, como estudiosa da língua, nossa Língua Portuguesa.
Atualmente, faço um curso de Especialização em Ensino-Aprendizagem da Língua Portuguesa, pela UFPA, na modalidade da educação a distância (online). Estou tendo a oportunidade de rever e rediscutir teorias já estudadas na graduação, de ampliá-las e de conhecer outras não vistas, mais recentes, e de discuti-las tendo se em vista o ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa. Está contribuindo bastante, principalmente para o trabalho que realizo, no momento, na formação continuada com os professores Gestar I (até recentemente) e Gestar II.
Hoje, acredito que os espaços escolares, em especial a universidade, contribuíram para que eu tomasse consciência de minhas limitações, de alguns equívocos no meu processo de ensino e aprendizagem e também me apontaram caminhos para superação de muitos deles. Outros espaços também têm contribuído na minha formação como leitura, dentre eles gostaria de destacar o da formação continuada de professores(as). Nestes espaços tenho crescido lendo, discutindo, refletindo, socializando, pensando e (re)criando novas possibilidades para a Educação e, particularmente, para o ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa, na perspectiva da Linguística Textual e com base na concepção sócio-interacionista da linguagem e sócio-construtivista da Educação (Que desafios!). Embora tenha consciência de que temos muito a melhorar, a avançar, sinto-me mais otimista, porque consigo ver, hoje, práticas de leituras e de produção textual, em salas de aulas, bem diferentes das experimentadas por mim no ensino fundamental e boa parte do médio. Penso que precisamos estar em constante formação e acreditar que podemos fazer melhor, ousar – gosto muito dessa palavra, ousadia.
Entendo, como tantos outros(as), que nossa história se faz do entrecruzamento de nossas experiências individuais e coletivas. Penso que a leitura nos possibilita conhecer o “mundo”, a intervir e interagir nele, a (re)construí-lo e até a criarmos outro(s) mundos. Assim tem sido minha caminhada no mundo da leitura.

5 comentários:

Profº. Sales disse...

Excelente!
Seu memorial nos leva a refletir à cerca de muitos temas que se entrelaçaram ao longo de nossas vidas e por algum motivo não registramos de fato.

Idelma disse...

Muito bem! Gostei muito do texto - a construção do relato - e das questões apresentadas. Você tem tido contato com o tema das histórias de vida em formação? Acho que vai gostar.
Idelma

Nilsa disse...

Legal seu memorial! Ele traduz seu percurso formativo e sua relação com a linguagem neste percurso. Muito bem!!!

Coisas miúdas ou graúdas disse...

Ler seu texto é quase tão bom quanto ouvir você falar da sua experiência de vida. Ele só não dá conta dos seus olhos brilhando quando conta dos seus pais contando histórias, ou quando você teve contato com H.Q., mas tudo isso está lá, escondido nas suas linhas. Escrever sobre sua trajetória é ler de novo, é olhar para o passado com um outro olhar e, que bom, gostar do que vê, do que viveu. Continue lendo, só não se esqueça de escrever sobre! Abração!

Cleuzeni-formação-Marabá disse...

Queridos colegas de trabalho, querida professora e querida irmã,

obrigada pelo carinho e pelas palavras...

Penso que, de fato, é muito bom olhar para o passado, refletir sobre ele e ver que percorremos "um bom" caminho e ficamos/somos felizes, não é, Cleiry?!

Idelma, fez/faz parte de quase toda esta trajetória como co-partícipe...

Querida profa. Nilza, a senhora foi/é minha grande mestra! Que sorte tive de encontrá-la na graduação! Grande abraço!

Amigo Sales, fico feliz por compartilhar com vocês um pouco de minha história... Abraços!

Abraços,
Cleuzeni

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